Magnólia: Virgulas;

Divirta-se.

terça-feira, 18 de julho de 2006

Virgulas;

Eu vou vasculhar todos os detalhes, as linhas, os absurdos. Vou entupir a pia, guspir a pasta mentolada, varrer a rua, virar a esquina; vou lamber o pote, admirar a grama verde nascendo entre as pastilhas de cimento cinza.
Vou ingerir cada detalhe, pensar pequeno, pensar no universo, criticar as leis, achar imbecil. Vou esculpir a argila, nadar no rio, pescar lambari.
Eu vou forçar a vista, sentir a brisa, ler o crachá do funcionário mediano, pesquisar a vida, inventar um pai, uma regra.
Vou tomar café preto na padaria, trocar minhas moedas, banhar a guia. Eu quero o tesão de cada detalhe, de cada fantasia, de cada deslize programado automaticamente para acontecer na minha vida.
Eu quero invadir o sistema, o prédio, a lua e a rotina de cada cidadão cansado da própria existência.
Eu quero saber quem foi aquele, aquela e aquilo. Vou tropeçar no chinelo, na passarela, nos outros, nos risos.
Vou dançar sem música, fazer música, escrever um jingle.
Eu vou buscar os meus antepassados, vasculhar seus túmulos, fazer poesia com suas histórias de vida.
Detestar o velho, amar o velho, esperar o novo, repetir. Eu quero um canudo para chupar lá do fundo todos os anseios reservados, todas as calunias proferidas, as palavras e as vozes cretinas.
Quero lembrar de cada detalhe do ontem, do feijão sem sal, do carnaval, do porre. Eu quero a saliva, a pele, os dentes tortos. Vou observar os pássaros, os postes e suas lâmpadas vagabundas; quero o medo, o desejo, a preguiça de levantar cedo.
Quero o livro lá do sebo, perseguir cada linha do último lançamento, quero a retórica, os avulsos, os brindes. Eu vou ler a linha de cada cartaz, cada anúncio e todos os jornais.
E para que a vida não fique monótona, quero paz, sossego e o ócio de cada dia.

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