segundas e quintas

Cheiro de limpeza e um bilhete sobre a mesa. Mal dá tempo de ficar contente com a brancura do meu porcelanato, o bilhete é de despedida.
A diarista pediu as contas. ‘arrume outra’ ela disse, ou ‘arume’ não lembro bem. ‘Não venho mais’. Muito sacana esta história de bilhetes de despedida. O considero um tanto retrógrado e bastante nostálgico já que vivemos em uma era de mensagens de texto e e-mails de todo tipo. Ela sabia que eu estava a um toque de telefone, era só discar, acredito que não queria ouvir minha voz. Sinto-me lesada, privada de minha liberdade de escolha, do livre arbítrio que é até mesmo bíblico. Uma pena que não exista hierarquia para seu uso.
Eu decido. Eu abandono, sempre foi assim. Perguntem ao meu ex-marido. Desta vez fui deixada. Abandonada e com uma panela cheia de óleo usado esquecida propositalmente num forno sujo.
Ela já não era mais como na primeira semana. Vi teias de aranha por toda casa e mencionei em tom de brincadeira, ela não gostou. Era meio brava, teimosa, saia retrucando tudo, e eu deixava. No fim do dia eu ainda falava, ‘leva o que tem na geladeira’. Até crème brulèe ela levou. Ovos de páscoa da kopenhagen, risotos de filet mignon. Arrasou num casamento com um vestidinho que dei a ela ainda com as etiquetas, disse-me depois que todo mundo comentou e teve então que emprestar a todas as mulheres da família, ‘é coisa boa, ganhei da patroa’ ela dizia. Fomos ao cabeleireiro juntas! Mas não tenho arrependimento não, foi tudo de coração. Tinha até separado mais umas peças para ela e suas netinhas. Vai ficar para outra porque afinal, sou assim mesmo, mão aberta e meio besta. Faço café, arrumo a mesa, sirvo brioche com geléia fresquinha. E a roupa vai ficando amarrotada, os azulejos vão embolorando e as teias espalham-se a olhos vistos.
O bilhete foi um desaforo, ela foi mais corajosa do que eu. Fez o que quis, abusou, tirou partido de mim. Estendi a roupa que ela deixou na máquina (um outro tipo de abandono) sob um chuvisco que me deixou com gripe. Faço um chá com canela para me esquentar, noto que o chão já esta ficando sujo. Esfrego com o primeiro papel que encontro uma pequena mancha entre o piso e rejunte, é o bilhete. Uma pequena vingancinha. Amanhã sairei em busca de outra pistoleira, de alguém que goste de mim e desse meu jeito, meio rude.