meio dia

Dona Frutuosa, residente da rua Gralha Cã-Cã, próxima ao balneário da Rabitolândia não sabe ao certo como é que atingiu a hipertensão que agora lhe assombra os dias, e algumas vezes as noites também, variavelmente.
Há um certo mau humor em seu olhar domesticado.
Foi contra o bruxismo que Dona Frutuosa lutou toda vida, contra o bruxismo e a não-beatice das mais calorosas de suas vizinhas.
E assim, nesta batalha, se seguiram os dias, sem admoestações mais peculiares e com muitas distrações enfadonhas, assim mesmo, paradoxalmente.
Matando uma galinha ali, uma novelinha lá, comprando calcinhas begezinhas e pijaminhas de flanela no inverno.
O ponto alto foi quando o marido lhe pegou raspando as pernas e quis, ele mesmo lhe fazer o serviço, algo que Dona Frutuosa nunca imaginou que fosse acontecer ou que existisse entre as histórias de algum outro casal, algo que nem o mais fanfarrão dos bordéis tenha abrigado em suas noites de esbórnea. Para Frutuosa até mesmo o ato de raspar as próprias pernas já era uma transgressão, uma ousadia e só feito para que suas meias, cor de pó-de-arroz, não ficassem com aqueles pelinhos saindo entre as tramas, criando um visual embaraçoso quando se sentava no banco da igreja, ou em frente à televisão junto aos filhos.
Foi preciso três noites para que Dona Frutuosa parasse de gemer toda vez que se lembrava da cena, que para ela era sórdida, quente e absolutamente audaciosa, mesmo não havendo penetração, mesmo sem sentir o vigor da parte daquele que era seu marido; mesmo que no fim ele lhe tenha dito, ‘agora faça meu prato’.
Vez ou outra ela deixa a porta do banheiro aberta e com a gilete em mãos e o corpo curvado, espera ansiosamente o olhar do marido em sua direção. O que nunca acontece. Em protesto Dona Frutuosa deixa raspada apenas uma faixa de uns poucos centímetros, onde finge manter a gilete, bem próxima ao tornozelo, para que mais acima ainda tenha pêlos a raspar. Depois disso ela também deixou de fazer os pratos do marido.